O assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018, foi um crime que chocou o Brasil e reverberou mundialmente. Marielle, vereadora pelo Rio de Janeiro, foi uma figura combativa contra as opressões de gênero, raça e orientação sexual e era uma das poucas vozes dentro do cenário político a representar as demandas das periferias cariocas, da população negra e LGBTQIA+.
Seu assassinato é um caso emblemático de feminicídio político, termo que descreve a violência letal praticada contra mulheres que ocupam espaços de poder, cujas mortes resultam não só de misoginia, mas de um contexto em que o gênero e a posição política se entrelaçam, transformando o ato em uma tentativa de silenciamento.
A condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, apontados como executores do crime, foi uma conquista tardia para a justiça. O julgamento realizado em outubro de 2024 resultou em penas de 78 anos para Lessa, autor dos disparos, e 59 anos para Queiroz, motorista do veículo no momento da execução.
Contudo, devido a um acordo de colaboração premiada, a pena máxima de ambos foi reduzida . Esse acordo de delação foi estabelecido antes do julgamento e definiu que Ronnie Lessa cumpriria uma pena máxima de 18 anos e Élcio Queiroz, 12 anos.
O período em reclusão começou a ser contabilizado desde sua prisão preventiva em 12 de março de 2019. Esse benefício gerou controvérsia na sociedade e entre os familiares de Marielle e Anderson, pois, para muitos, essa redução minimiza a gravidade de um crime que simboliza um atentado contra a democracia e os direitos humanos.
A Colaboração Premiada e as Questões de Justiça
A colaboração premiada, um mecanismo jurídico onde os acusados revelam informações em troca de uma pena mais branda, foi utilizada no caso de Lessa e Queiroz com o objetivo de elucidar os detalhes do crime e avançar nas investigações sobre os mandantes.
Embora a redução das penas seja polêmica, trata-se de uma estratégia do Ministério Público para facilitar a identificação de todos os envolvidos e de quem, de fato, ordenou a execução de Marielle. Até o momento, outros cinco suspeitos seguem investigados como possíveis mandantes, incluindo os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além de ex-policiais e um ex-chefe da Polícia Civil.
Esse uso da colaboração premiada, entretanto, levanta questões sobre o equilíbrio entre justiça e impunidade, sobretudo em um caso que representou a brutalidade do feminicídio político.
Apesar da condenação de Lessa e Queiroz, o valor simbólico da redução das penas é significativo, pois, para muitos, ele reflete uma complacência para com a violência política e um sistema que ainda luta para reconhecer e penalizar adequadamente a violência de gênero e as ameaças enfrentadas por mulheres em posições de poder.
O Feminicídio Político e as Implicações Sociais
O termo “feminicídio político” ganhou notoriedade por expressar a dimensão social do crime, ressaltando o fato de que Marielle Franco foi assassinada não apenas por ser mulher, mas por ser uma mulher negra, lésbica e ativista, que ocupava um espaço de influência política. Este crime buscava silenciar uma liderança que defendia os direitos humanos e denunciava abusos policiais, especialmente nas favelas.
A execução de Marielle é parte de uma série de violências que se insere no histórico de exclusão e violência contra mulheres que desafiam o status quo, lutando por mudanças profundas na sociedade.
A morte de Marielle Franco não é um caso isolado, mas parte de uma realidade que afeta muitas mulheres que ousam adentrar a arena política, especialmente aquelas vindas de grupos marginalizados.
Esse tipo de violência é, portanto, um ataque duplo: um feminicídio enquanto mulher e um ato político de silenciamento.
Ao tirar a vida de uma mulher com o perfil de Marielle, não apenas se tenta extinguir uma voz, mas se passa uma mensagem de que mulheres negras, LGBTQIA+ e ativistas sociais não são bem-vindas em espaços de poder e representação.
Tal mensagem ameaça a democracia, pois inibe outras mulheres de participarem de processos decisórios e enfraquece a pluralidade de vozes e ideias.
A Continuação da Busca por Justiça
Após a condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, apontados como executores do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, as atenções se voltam agora para o julgamento dos acusados de serem os mandantes do crime. Esse julgamento, que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal (STF), foi transferido para essa instância devido ao foro privilegiado de Chiquinho Brazão, deputado federal e um dos acusados.
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão foram presos em março de 2024 sob suspeita de ordenar a execução de Marielle. Eles estão entre os cinco réus envolvidos, que incluem também o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, acusado de ser mentor do crime, o ex-policial militar Robson Calixto, apontado como responsável por ocultar a arma utilizada no assassinato, e o Major Ronald Paulo Alves Pereira, acusado de monitorar a rotina da vereadora, segundo a delação de Ronnie Lessa.
Com as audiências de instrução encerradas em outubro de 2024, o processo avança para as fases finais, com a defesa dos réus tendo prazo de cinco dias para solicitar diligências adicionais ao ministro relator, Alexandre de Moraes. O próximo passo será a apresentação das alegações finais pela defesa e acusação, com a expectativa de que o julgamento ocorra ainda este ano, embora novas diligências possam causar adiamentos.
As investigações indicam que os crimes estavam vinculados ao mandato de Chiquinho Brazão, acusado de atuar repetidamente para encobrir os assassinatos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu que a Polícia Federal encaminhe ao STF relatórios pendentes relacionados à operação que resultou na prisão dos irmãos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa, realizada em março de 2024.
Para os familiares e apoiadores de Marielle, a condenação dos executores representa apenas uma parte da justiça. O desfecho do julgamento dos mandantes é aguardado como um passo decisivo para responsabilizar todos os envolvidos e enviar uma mensagem de que crimes de feminicídio político não serão tolerados.
Esse caso, que destaca a violência contra mulheres em posições de poder, também chama atenção para a necessidade de fortalecer os mecanismos institucionais de proteção e responsabilização, assegurando que figuras como Marielle possam exercer seu papel na sociedade sem ameaças a suas vidas.