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LEGÍTIMA DEFESA E PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE: ANÁLISE JURÍDICA DO CASO DO DONO DE RESTAURANTE QUE MATOU INVASOR NO DF

Na segunda-feira, 7 de julho de 2025, um caso chamou a atenção da mídia e do público. Um homem, de identidade não revelada, invadiu o restaurante Don León, na quadra 112 da asa sul, em busca de bebidas, mas foi morto pelo dono do estabelecimento. O acontecimento está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Polícia da Asa Sul. O caso rapidamente ganhou as manchetes e suscitou debates acalorados: existe legítima defesa de bem jurídico – patrimônio?

Durante a madrugada, por volta das 7h, o invasor adentra o restaurante em busca de bebidas e começa a pegar alguns produtos da loja, mas não sabia que o dono do local e a esposa estavam dormindo no subsolo do comércio e o observavam pelas câmeras de segurança.

O dono Frederico Zampieri pegou um revólver calibre 38 herdado de seu pai e atirou 1 vez na cabeça do invasor. Ele foi levado à delegacia e solto em poucas horas após pagar a fiança no valor de R$800. Sendo amparado pelo artigo da legítima defesa, mas acabou sendo autuado em flagrante por posse irregular de arma de fogo, já que o revólver utilizado estava registrado no nome do pai do comerciante. 

A polícia relatou que o invasor morreu no local e que não possuía qualquer tipo de arma de fogo, apenas uma caixa de chocolates, dinheiro e um cartão de transporte com o nome de outra pessoa. Ou seja, não havia um risco eminente, o invasor não tentou agredir o dono do restaurante ou gerou qualquer outro risco senão a invasão do estabelecimento.

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DA LEGÍTIMA DEFESA

    Com o ocorrido, surgiu-se o debate público se o dono realmente agiu em legítima defesa ou não. Ao analisar o art. 25 do Código Penal entende-se que é considerada legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

    Há dependência da legítima defesa aos seguintes requisitos cumulativos: (1) agressão injusta; (2) atual ou iminente; (3) direito próprio ou alheio; (4) reação com os meios necessários; e (5) uso moderado dos meios necessários.[1]

    A agressão injusta é entendida como uma atividade exclusiva dos seres humanos, é praticada através de uma ação ou omissão, deve ser injusta e de natureza ilícita, isto é, contrária ao Direito (pode ser dolosa ou culposa), deve ser atual (iniciada, mas não finalizada) ou iminente (se torna atual em um futuro imediato) e ter um destinatário certo.

    Além disso, deve ameaçar um bem juridicamente protegido, próprio ou de terceiros. Atualmente qualquer bem jurídico pode ser protegido pela legítima defesa, pertencente àquele que se defende ou a terceira pessoa, não há mais as limitações antigas que autorizavam a legítima defesa apenas em relação à vida e ao corpo. 

    O pensamento é reforçado por Paulo César Busato, ao salientar que:

    “A legítima defesa é identificada a partir da presença de uma situação de agressão injusta sofrida pelo indivíduo, à qual este reage dentro de limites pré-estabelecidos de autorização. Há necessidade, como em todas as causas de justificação, da presença de uma situação de emergência e uma atitude justificada.”

    Mas com isso surgem outros questionamentos, ao dar um único tiro na cabeça do invasor o dono estava utilizando os meios necessários de forma moderada? O fato de o invasor não estar armado implica no argumento de legítima defesa? E o fato de a arma ser irregular, muda algo sobre a licitude ou ilicitude da ação?

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    DO USO IMODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS

    Os meios necessários são medidas que se destina à proteção de bens jurídico, devem obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo e serem usados moderadamente, ou seja, uso dos meios necessários na medida suficiente para afastar a agressão injusta.

    Nesse cenário, segundo estimativas, menos de três por cento das pessoas sobrevivem a um ferimento de bala na cabeça[2], ou seja, o tiro na cabeça é extremamente fatal. Entretanto O dono não tinha conhecimento da agressividade do invasor, não tinha ciência se ele possuía qualquer tipo de arma, então ao atirar contra o homem estava se defendendo.

    Dessa forma, quando é possível dizer que foi legítima defesa? Se uma morte com um tiro na cabeça de alguém desarmado não é considerado um assassinato, então quando será?  

    O homicídio é um crime contra a pessoa e está incluído no capítulo dos crimes contra a vida. No Código Penal Brasileiro, o homicídio é abordado nos artigos 121 a 128. O artigo 121 do Código Penal Brasileiro define o homicídio como matar alguém, com pena de reclusão de seis a vinte anos.

    Contudo, se analisado de forma meticulosa ambos os artigos, o caso do restaurante Don León estaria mais em desconformidade com o art. 25 de legítima defesa, possibilitando uma possível acusação de homicídio.

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    PRESUNÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA DOMICILIAR: A CONTRIBUIÇÃO DA LEI Nº 13.964/2019

    A chamada Lei Anticrime introduziu no Código Penal o §1º ao art. 25, estabelecendo a legítima defesa presumida nos seguintes termos:

    “Considera-se também em legítima defesa o agente que repele a agressão ou risco de agressão à vítima, nas situações descritas no caput, no caso de invasão ou tentativa de invasão de domicílio.”

    Ainda que tenha sido redigido com ênfase em defesa de terceiros (ex.: policiais ou cidadãos defendendo vítimas de violência doméstica), o dispositivo abriu margem para o reconhecimento presumido da legítima defesa em invasões domiciliares, inclusive quando o autor da reação é o próprio morador ou possuidor legítimo do imóvel.

    A doutrina penal contemporânea é clara ao afirmar que o uso da legítima defesa não afasta automaticamente a ilicitude da posse ou porte da arma usada na reação. Como ensina Rogério Greco:

    “O fato de o agente ter utilizado a arma de fogo para se defender legitimamente não convalida a ilicitude anterior da sua posse ou porte.”
    (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 18ª ed., 2022)

    O raciocínio é corroborado por Luiz Flávio Gomes, ao enfatizar que:

    “Mesmo que o homicídio esteja acobertado pela legítima defesa, a infração administrativa ou penal relativa à arma subsiste e deve ser apurada.”

    Esse entendimento preserva a coerência do sistema penal: se armas ilegais fossem “convalidadas” por um uso defensivo, abrir-se-ia um perigoso precedente de legitimação indireta da circulação clandestina de armas, o que contraria frontalmente a lógica protetiva do Estatuto do Desarmamento.

    Há, contudo, entendimentos minoritários — e por vezes invocados na prática defensiva — que sustentam que, em casos excepcionais, a excludente de ilicitude da legítima defesa também poderia incidir sobre o crime de porte ilegal, desde que demonstrado que o agente não mantinha a arma de forma habitual, mas apenas a utilizou em situação emergencial, sem intenção de infringir o sistema de controle de armas.

    Esse argumento já foi utilizado com sucesso, por exemplo, em acórdãos do TJSP e TJMG, quando se reconheceu que o animus defendendineutralizou a tipicidade da posse ilegal no caso concreto. Ainda assim, trata-se de posição residual e pouco consolidada, que exige fundamentação probatória muito precisa.

    No caso do restaurante da Asa Sul, a legítima defesa poderá afastar a ilicitude do disparo fatal. Contudo, salvo prova de que o agente não mantinha posse permanente da arma ou que a obteve exclusivamente para reagir àquela situação (o que é, na prática, improvável), o crime do art. 12 do Estatuto do Desarmamento permanece.

    A jurisprudência majoritária do STF e STJ caminha nesse sentido: a legítima defesa não se estende ao crime de porte ilegal de arma de fogo, por se tratar de delito autônomo, de perigo abstrato e com estrutura típica distinta. Ainda que se compreenda socialmente o ato do comerciante, do ponto de vista jurídico, ele deverá responder — ao menos — pela infração relativa à arma, mesmo que seja beneficiado por um acordo penal, suspensão condicional ou absolvição pelo homicídio.

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    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Casos como este expõem com nitidez a tensão entre o direito à autodefesa e os limites da violência legítima. A atuação do comerciante, embora extrema, pode ser compreendida juridicamente à luz do art. 25 do Código Penal, em especial após a reforma trazida pela Lei 13.964/2019. No entanto, isso não elimina a necessidade de investigação técnica, de cautela na aplicação da presunção legal e de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana — inclusive do autor do delito.

    A função do Direito Penal não é autorizar linchamentos privados, mas também não pode ignorar a realidade de quem, surpreendido de madrugada, precisa decidir entre a própria segurança e a possibilidade de ser vítima.

    Em tempos de crescente insegurança urbana, o caso nos convida a refletir sobre os limites da legítima defesa, o papel do Estado na proteção da propriedade privada e o equilíbrio necessário entre garantias penais e o instinto de autopreservação.


    [1] https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/causas-de-exclusao-da-ilicitude/legitima-defesa

    [2] https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/06/14/homem-de-29-anos-e-baleado-de-perto-no-cerebro-e-sobrevive-apesar-de-ter-tido-97percent-de-risco-de-morte.ghtml

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