O uso de medicamentos injetáveis voltados ao emagrecimento, como o Mounjaro (Tirzepatida) e o Ozempic (Semaglutida), ganhou expressiva visibilidade nos últimos anos, impulsionado por padrões estéticos cada vez mais rígidos e pela promessa de resultados rápidos. Embora tais fármacos possuam indicação médica específica e respaldo científico quando utilizados dentro dos parâmetros legais, o aumento exponencial da demanda acabou fomentando o surgimento de um mercado clandestino de medicamentos, operando à margem do controle sanitário estatal.
Esse fenômeno passou a gerar relevantes discussões no âmbito do Direito Penal, sobretudo no que diz respeito à responsabilização criminal daqueles que fabricam, comercializam, distribuem ou mantêm em depósito medicamentos sem registro ou de origem desconhecida, ainda que tais produtos aparentem produzir algum efeito terapêutico.
A problemática se intensifica quando se observa que a produção de medicamentos análogos aos hormônios GLP-1 e GIP envolve elevada complexidade tecnológica, exigindo rigorosos testes de qualidade, estabilidade, dosagem e segurança. Justamente por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro condiciona sua fabricação e comercialização à prévia aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nesse contexto, o controle estatal não pode ser compreendido como mera formalidade burocrática. Trata-se, na verdade, de um instrumento essencial de proteção da saúde pública, bem jurídico de natureza coletiva. A violação dessas normas, portanto, extrapola o interesse individual do consumidor e passa a justificar a intervenção penal, diante do risco social inerente à circulação de produtos não autorizados.
É sob essa lógica que a fabricação, importação, venda, exposição à venda ou manutenção em depósito de medicamentos sem registro, falsificados ou adulterados encontra tipificação no artigo 273 do Código Penal, com redação conferida pela Lei nº 9.677/1998. O legislador optou por tratar tais condutas com especial rigor, classificando-as como crimes hediondos por equiparação, com pena de reclusão de 10 a 15 anos, além de multa.
A severidade da sanção reflete a opção legislativa por coibir de forma contundente práticas que colocam em risco a saúde da coletividade, independentemente da ocorrência de dano concreto. Não por outro motivo, a jurisprudência dos tribunais superiores é firme ao afirmar que o delito se consuma com a simples colocação do produto irregular em circulação, sendo inaplicável o princípio da insignificância, ainda que se trate de pequena quantidade.
Nesse cenário, uma das alegações defensivas mais recorrentes consiste na afirmação de que a chamada “caneta falsa” produziria efeito real no consumidor, o que afastaria a tipicidade penal. Tal argumento, contudo, não se sustenta à luz da dogmática penal brasileira.
Isso porque o crime previsto no artigo 273 é classificado como delito de perigo abstrato e de natureza formal, ou seja, independe da comprovação de dano efetivo ou da ineficácia do medicamento. O que se pune é a violação do sistema de controle sanitário e o risco coletivo decorrente da circulação de produto não autorizado pelo órgão competente.
Assim, ainda que o medicamento contenha princípio ativo funcional e produza algum efeito aparente, a ausência de registro, de prescrição médica e de rastreabilidade é suficiente para caracterizar a ilicitude penal. Não cabe ao particular definir o que é seguro para consumo humano, sendo essa atribuição exclusiva do Estado, por meio de seus órgãos técnicos especializados.
A falsidade, portanto, não se limita à composição química do produto. Ela se manifesta na origem clandestina, na rotulagem enganosa, na inexistência de autorização sanitária e, sobretudo, na quebra da confiança do consumidor no sistema de saúde. Nesse sentido, o Direito Penal não protege apenas a integridade física individual, mas também a confiança pública de que os medicamentos disponíveis no mercado obedecem a padrões mínimos de segurança e qualidade.
No que se refere ao elemento subjetivo, para a configuração do crime do artigo 273, exige-se apenas o dolo genérico, consistente na consciência da irregularidade e na vontade de colocar o produto em circulação. Não é necessário que o agente deseje causar dano ou tenha ciência dos riscos específicos à saúde, bastando o conhecimento da ilegalidade da conduta.
Além disso, a depender do caso concreto, a prática pode ensejar a cumulação com outros tipos penais, como o estelionato (art. 171, CP), quando o consumidor é induzido em erro quanto à origem ou regularidade do produto; os crimes contra as relações de consumo (Lei nº 8.137/90), pela venda de produto impróprio ou em desacordo com normas oficiais; e até mesmo a associação criminosa (art. 288, CP), nos casos de atuação estruturada e reiterada.
Embora o consumidor seja tratado, em regra, como potencial vítima, o próprio artigo 273 também criminaliza a posse de medicamentos irregulares, ainda que para uso próprio. A lógica do sistema penal, nesse ponto, prioriza a proteção da coletividade, entendendo que o risco social supera a intenção individual. Em situações específicas, pode haver mitigação da resposta penal, com aplicação de penas alternativas, mas a ilicitude da conduta não é automaticamente afastada.
Por fim, cumpre destacar que o comércio clandestino de medicamentos não se restringe a ambientes informais ou precários. Investigações recentes demonstram que tais práticas também ocorrem em clínicas de luxo, laboratórios sofisticados e sob a aparência de atuação técnica e regular, o que reforça que a repressão penal não se volta contra a informalidade em si, mas contra a violação consciente das normas sanitárias, independentemente do padrão econômico ou social do agente envolvido.
Diante desse panorama, o crescimento do uso de medicamentos para emagrecimento expôs uma realidade preocupante: a expansão de um mercado clandestino altamente lucrativo, porém profundamente nocivo à saúde pública. O Direito Penal brasileiro responde a esse fenômeno com rigor, tipificando como crime hediondo a fabricação, comercialização e posse de medicamentos irregulares.
Assim, a alegação de que a caneta “funciona” ou produz efeito aparente não afasta a tipicidade penal, pois o que se protege é a saúde coletiva e a integridade do sistema de controle sanitário. A circulação de medicamentos sem autorização estatal representa risco inaceitável e justifica a intervenção penal severa, reafirmando o papel do Direito Penal como instrumento fundamental de proteção da saúde pública.





