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Publicidade de Jogos de Azar e a Responsabilidade Penal de Influenciadores Digitais

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das bets (casas de apostas online) tem como finalidade investigar, no prazo de cento e trinta dias, com limite de despesas de cento e dez mil reais, a crescente influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras, além da possível associação com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e divulgação dessas atividades.[1]

A Comissão Parlamentar de Inquérito tomou novos rumos após a participação da influenciadora e empresária Virgínia Fonseca, no último dia 13, que, antes de sua oitiva, contava com mais de 53 milhões de seguidores na rede social Instagram. Isso porque foi colocada uma lupa sobre a questão: os influenciadores digitais são os grandes vilões na propagação de bets e das consequências negativas para os brasileiros afetados?

Ou ainda, em uma análise mais profunda: Virgínia e outros influenciadores estão praticando algum crime e podem ser responsabilizados por isso?

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O papel dos influenciadores na promoção de apostas online

    A moderna dogmática do Direito Penal Econômico reconhece a existência de “gatekeepers[2] – A moderna dogmática do Direito Penal Econômico reconhece a existência do “guardião da legalidade” – termo proveniente da tradição americana, referindo-se a pessoas físicas e jurídicas que, em virtude de suas funções, têm o dever de comunicar movimentações suspeitas relacionadas à crimes financeiros, contribuindo assim para a prevenção ou repressão de tais práticas ilícitas. Sob essa ótica, o influenciador pode ser visto como alguém que reforça a confiança do consumidor no serviço ilegal.

    Contudo, a imputação penal requer mais do que mera vinculação publicitária. É necessário apurar o dolo, o conhecimento da ilicitude e a contribuição efetiva para o resultado lesivo.

    Influenciadores digitais atuam como intermediários de marketing, especialmente em redes sociais, onde a comunicação é informal e a publicidade, muitas vezes, ocorre sem o devido cumprimento das normas do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) ou da legislação consumerista. Ao divulgar plataformas de jogos de azar sem autorização legal, esses influenciadores podem estar, ainda que indiretamente, contribuindo para a prática de contravenções ou outros crimes.

    Essa atuação, que inicialmente parece meramente comercial, insere-se em um contexto de economia digital desregulada, em que os agentes podem carecer de conhecimento técnico ou jurídico sobre os produtos que promovem.

    Ainda assim, do ponto de vista penal, a ignorância sobre a ilegalidade da plataforma não é suficiente, por si só, para afastar a possibilidade de responsabilização, especialmente diante da existência de indícios de fraude, ausência de autorização estatal ou risco ao consumidor.

    E os influenciadores que seguem as normas do CONAR, podem estar cometendo algum crime?

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    Impactos sociais e econômicos no Brasil

    A questão divide opiniões, mas, partindo do depoimento da influenciadora, entende-se que ela recebeu um valor (não informado na oitiva) pela publicidade de uma casa de apostas, constando no contrato que, se houvesse uma multiplicação dos lucros da casa de apostas, ela teria direito a um “bônus” de 30% do valor recebido pela publicidade.

    De forma mais profunda, sabe-se que o lucro de todas as casas de apostas advém da perda do apostador. Logo, mesmo que de forma indireta, todos aqueles que fazem publicidade nas redes sociais e recebem por isso, estão de alguma forma recebendo dinheiro da perda de milhões de brasileiros.

    Em seu depoimento, Virgínia negou que recebesse um percentual do lucro da bet a partir da perda de cada apostador influenciado por ela[3], ao contrário do que havia sido divulgado pela revista Piauí, em janeiro deste ano.[4]

    Assim, a princípio, seria uma publicidade normal, que poderia ser realizada para qualquer outra empresa. Entretanto, um ponto chama a atenção: Virgínia e todos os influenciadores que divulgam casas de apostas, mesmo aquelas reguladas pela Lei nº 14.790, de 2023, e pela Portaria nº 1.231, de julho de 2024, do Ministério da Fazenda, demonstram como “jogar” e ganhar dinheiro.

    Na CPI, a influenciadora digital afirmou que recebe um login e senha da empresa para jogar e fazer a divulgação³. Ora, o que garante que essa conta teria uma possibilidade de ganhos maior ou, ainda, que possui mais probabilidade de ganhar em qualquer jogo, ao contrário das contas normais utilizadas por seus seguidores?

    Enquanto isso, o Ministério da Previdência Social registrou 402 concessões de benefícios por incapacidade temporária devido a transtornos relacionados ao jogo em 2024, sendo 61 em Minas Gerais.[5]

    Dados da FEBRAN Educação asseveram que em 2024 o setor de apostas online movimentou entre R$60 a R$100 bilhões em 2023, quase 1% do PIB. Cerca de 25 milhões de brasileiros realizaram apostas nos últimos 6 meses do ano, sendo que 20% das pessoas de baixa renda apostam pelo menos uma vez ao mês. Cerca de 86% delas estão endividadas.

    Outra pesquisa, feita pelo Datafolha, revela que os jogadores gastam, em média, 20% do salário-mínimo em bets todos os meses.[6]

    Não obstante, a mais recente edição do Levantamento Nacional sobre Álcool e Drogas, da Universidade Federal de São Paulo, mostra que 55% dos apostadores com idades entre 14 e 17 anos são pessoas com risco de desenvolver transtorno do jogo, enquanto essa proporção entre adultos é de 37,7%. Outro dado da pesquisa revela que pessoas com renda menor que um salário-mínimo correm três vezes mais risco de apresentar um padrão de jogo problemático.

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    Possibilidade de responsabilização penal: estelionato e fraude eletrônica

    Em suma, influenciadores alegam não possuir responsabilidade pelas consequências negativas decorrentes da promoção de casas de apostas, enquanto milhares de brasileiros permanecem endividados e adoecidos em razão dessa atividade. Diante desse cenário, surge a hipótese de configuração do crime de estelionato, senão vejamos a capitulação delitiva:

    Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

    Nesse caso, por se tratar de suposto crime cometido em rede social, trata-se de fraude eletrônica:

    § 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo

    Ou seja, quando se utiliza conta criada pela plataforma, que pode induzir o seguidor ao erro, acreditando que pode auferir os mesmos ganhos, comete-se o crime de estelionato. Nesse caso, não somente Virgínia Fonseca, mas todos os influenciadores que divulgam por meio de perfil criado pela empresa.

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    Lacunas jurídicas e desafios na responsabilização penal

    Mesmo que afirmem não ter a intenção de gerar prejuízo alheio, ao utilizarem contas demonstração e gravarem apostas irreais, o dolo pode estar configurado, podem existir a possibilidade de responderem criminalmente pelo crime de estelionato.

    Juridicamente, ainda há questões abertas: quem seria a vítima? Existe a possibilidade estelionato contra a coletividade (sem individualização do polo passivo)? O dolo seria implícito?

    Enquanto isso, o CONAR tem emitido recomendações sobre a publicidade de apostas, exigindo que os influenciadores informem o risco de perda e a natureza do conteúdo como publicidade. A SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor) também se manifestou sobre a necessidade de transparência. No entanto, a ausência de normas penais específicas e de regulação eficaz ainda cria um cenário de incerteza jurídica.

    Não obstante os tímidos esforços até aqui empreendidos, permanece evidente a violação de bens jurídicos relevantes, sobretudo diante da ausência de vigilância eficaz por parte dos ‘guardiões da torre’, no que se refere à publicidade que demonstra ganhos irreais, induzindo o consumidor ao erro.

    Em vez de expandir os tipos penais ou promover interpretações extensivas, o ordenamento jurídico também poderia investir em regulação clara, fiscalização administrativa e educação digital, com campanhas voltadas para promover a disseminação de informações sobre o risco de apostas, o que ocorreu por exemplo com as campanhas contra pirataria.

    A responsabilização penal, quando necessária, deve respeitar os princípios fundamentais do direito penal garantista. Por isso, a priori nenhum influenciador foi indiciado na CPI das bets, pois isso só ocorreria após o envio do relatório final ao Ministério Público, que decidiria ou não pela instauração de Inquérito Policial.

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    Conclusão

    O cenário analisado evidencia a urgência de uma resposta normativa firme e coordenada. A promoção de jogos de azar por influenciadores digitais, especialmente com uso de contas demonstração manipuladas, não pode seguir à margem da responsabilização jurídica. Tais práticas, ao induzirem o consumidor ao erro, atingem bens jurídicos relevantes e demandam ação dos verdadeiros guardiões da ordem legal.

    Mais que punir, é preciso prevenir: o legislador deve estabelecer um marco regulatório claro e eficaz, vedando publicidades enganosas e garantindo transparência. A atuação coordenada entre os Poderes e órgãos reguladores é essencial para proteger os consumidores, sem violar as garantias do Estado Democrático de Direito.

    A omissão, nesse contexto, não é neutra: é permissiva. É tempo de erguer a torre — e posicionar seus guardiões.


    [1] https://legis.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao/2703/

    [2] https://www.jota.info/artigos/ecossistemas-e-gatekeepers

    [3] https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2025/05/13/virginia-nega-a-cpi-das-bets-percentual-sobre-perda-de-dinheiro-em-apostas

    [4] https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-bonde-do-tigrinho-bets/

    [5] https://g1.globo.com/tudo-sobre/ministerio-da-previdencia-social/

    [6] https://meubolsoemdia.com.br/Materias/riscos-das-apostas-online-vicio-bets

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