Entrou em vigor no dia 9 de outubro de 2024 a Lei 14.994/24, conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, que promove mudanças significativas no combate à violência contra a mulher no Brasil. Esta nova legislação representa um marco ao agravar as penas e criar novos mecanismos de proteção às vítimas, com foco no feminicídio e outras formas de violência de gênero. A lei altera importantes dispositivos do Código Penal, da Lei dos Crimes Hediondos, da Lei Maria da Penha e do Código de Processo Penal.
Feminicídio: Um Crime Autônomo e Hediondo
Uma das principais inovações trazidas pela nova lei é a transformação do feminicídio em um crime autônomo, com penas severamente aumentadas, que variam de 20 a 40 anos de reclusão. Esse é um marco no ordenamento jurídico brasileiro, já que pela primeira vez se estabelece uma pena máxima de 40 anos. O feminicídio também foi incluído no rol dos crimes hediondos, o que restringe a concessão de benefícios, como a liberdade condicional. Em casos com agravantes, como motivo torpe ou uso de violência extrema, a pena pode chegar a 60 anos de reclusão.
Agravo nas Penas para Crimes Contra a Mulher
A nova lei também endurece as penas para outros crimes cometidos contra a mulher em razão de gênero:
- Ameaça: Quando praticada contra a mulher, a pena é aplicada em dobro e a ação penal se torna pública incondicionada, ou seja, independe da vontade da vítima.
- Calúnia, Injúria e Difamação: Os crimes contra a honra, quando cometidos por razões de gênero, terão a pena dobrada.
- Lesão Corporal: Crimes de lesão corporal cometidos contra cônjuges, familiares ou em contexto de violência doméstica também têm a pena aumentada, passando a ser de 2 a 5 anos de reclusão.
- Contravenção de Vias de Fato: A pena para essa contravenção, quando cometida contra a mulher, será triplicada, reforçando a proteção em casos de agressões físicas leves.
Descumprimento de Medidas Protetivas
A Lei Maria da Penha foi modificada, ampliando a punição para quem descumprir medidas protetivas de urgência. A pena mínima agora é de 2 anos de reclusão, podendo chegar a 5 anos, além de multa. A intenção é coibir o desrespeito às ordens judiciais que visam proteger a integridade da vítima.
Perda de Poder Familiar e Cargos Públicos
A condenação por crimes de violência contra a mulher em caráter definitivo implicará automaticamente na perda do poder familiar e de cargos ou mandatos eletivos, além da proibição de nomeação para funções públicas durante o período de cumprimento da pena. Essa medida reforça a responsabilização dos agressores e busca impedir que eles ocupem posições de poder durante e após a condenação.
Endurecimento da Progressão de Regime e Tornozeleira Eletrônica
A progressão de regime para condenados por feminicídio também foi endurecida: agora, é necessário o cumprimento de 55% da pena, em vez dos 50% exigidos anteriormente. Além disso, a liberdade condicional foi vedada, mesmo para réus primários. Para os condenados que receberem o benefício da saída temporária, o uso de tornozeleira eletrônica passa a ser obrigatório, aumentando o controle sobre o cumprimento da pena e garantindo maior segurança às vítimas.
Transferência de Presídio e Vedação de Visitas Íntimas
Caso o preso provisório ou condenado por feminicídio ou violência doméstica ameace a vítima ou seus familiares, ele será transferido para um presídio distante da residência da vítima, a fim de garantir a segurança de todos os envolvidos. A lei também proíbe visitas íntimas e conjugais para condenados por esses crimes, como uma forma de restringir o contato com o mundo externo.
Reflexões e Críticas ao Punitivismo
Embora a Lei 14.994/24 seja um avanço no reconhecimento da gravidade da violência de gênero, ela também levanta questões sobre a eficácia do aumento das penas como medida preventiva. Há um receio na comunidade jurídica sobre a adoção de um modelo que prioriza o agravamento das punições, sem a devida reflexão sobre os impactos reais no combate à violência.
O endurecimento das penas, por si só, pode não ser suficiente para lidar com a complexidade da violência contra a mulher e outras soluções precisam ser consideradas, como o fortalecimento de políticas públicas de prevenção e educação.
Diante desse cenário, o Pacote Antifeminicídio inaugura um novo capítulo no sistema de justiça criminal brasileiro, mas também traz à tona a necessidade de uma análise cuidadosa sobre o futuro das políticas punitivas no país. Será que o recrudescimento das penas será a única resposta às demandas sociais? Ou há espaço para medidas mais equilibradas e eficazes?