Em maio de 2025, Paulo Cupertino Matias foi condenado pelo Tribunal do Júri de São Paulo a 98 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado. A condenação se deu pela prática de três homicídios triplamente qualificados (motivo torpe, recurso que dificultou a defesa das vítimas e perigo comum) contra o ator Rafael Miguel e seus pais, João Alcisio e Miriam Miguel, assassinados a tiros em junho de 2019.
Apesar da condenação expressiva, o cumprimento da pena não poderá ultrapassar 40 anos de prisão, o que tem gerado grande repercussão e dúvidas entre a população. Afinal, como alguém pode ser condenado a quase 100 anos e sair da prisão após apenas 40? A resposta está na legislação penal brasileira — e seus fundamentos vão muito além do que se imagina.
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O LIMITE LEGAL DE CUMPRIMENTO: ART. 75 DO CÓDIGO PENAL
O art. 75 do Código Penal estabelece o teto de cumprimento de pena privativa de liberdade:
“O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.”
Esse limite foi ampliado pela Lei n.º 13.964/2019, o chamado Pacote Anticrime, que elevou o tempo máximo de 30 para 40 anos. Trata-se de uma cláusula de contenção humanitária, adotada pelo legislador para evitar penas que, na prática, equivalham à prisão perpétua, vedada pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XLVII, b).
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A PENA TOTAL CONTINUA TENDO EFEITOS?
A pena total de 98 anos e 9 meses não é “anulada” ou “desconsiderada”. Ela permanece válida e serve como referência para diversas situações jurídicas.
O limite imposto pelo art. 75 refere-se somente ao tempo de cumprimento efetivo da pena, ou seja, à execução física. A pena total aplicada na sentença — no caso, 98 anos e 9 meses — não é desconsiderada. Ela serve de parâmetro essencial para:
- Progressão de regime: De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), a progressão depende do cumprimento de frações da pena total (geralmente 16%, 25%, 30% ou 40%, a depender do crime e da reincidência). No caso de Cupertino, a fração será calculada sobre os 98 anos, e não sobre os 40.
- Livramento condicional: Também exige o cumprimento de um percentual da pena total.
- Indultos e comutação: Benefícios eventualmente concedidos pelo Poder Executivo têm por base a pena fixada, não o limite de cumprimento.
- Reincidência: A pena imposta é considerada integralmente para avaliação de reincidência e maus antecedentes em novos processos criminais.
- Unificação de penas: Mesmo com a unificação, o limite de cumprimento físico continua sendo de 40 anos (art. 75, CP). No entanto, a pena total unificada pode ultrapassar esse valor e será considerada na íntegra para cálculos de progressão, concessão de benefícios e reincidência.
- Exemplo: Se Cupertino fosse condenado posteriormente por outro crime, o juiz unificaria as penas, e a nova soma (que poderia superar os 98 anos atuais) continuaria respeitando o limite de 40 anos de execução. Porém, os benefícios continuariam sendo calculados com base na pena unificada total.
- Determinantes para a regressão ou revogação de benefícios: A pena total aplicada (e não apenas o limite de 40 anos) é considerada para avaliar a gravidade da situação e a adequação do regime atual às necessidades de reeducação e controle penal. Exemplo: Se um interno com pena de 98 anos comete falta grave, a autoridade judicial pode usar a extensão da pena para justificar a regressão para regime mais severo, reforçando a justificativa da medida como proporcional e necessária.
Portanto, para efeitos de progressão de regime, por exemplo, calcula-se o percentual sobre a pena total. No caso de Cupertino, se a progressão exigir o cumprimento de 40% da pena, isso equivaleria a aproximadamente 39 anos e 6 meses, e não 16 anos (40% de 40 anos).
“A pena máxima de 40 anos não apaga o total da pena imposta. Serve apenas como limite ao encarceramento, sendo a pena integral indispensável para efeitos de execução.” (Guilherme de Souza Nucci, *Código Penal Comentado*, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Isso significa que, para a análise da possibilidade de progressão, por exemplo, o cálculo se dá sobre os 98 anos e 9 meses, e não sobre os 40 anos. Supondo que Cupertino tenha direito à progressão após o cumprimento de 40% da pena (por se tratar de crime hediondo, conforme art. 112, V da LEP), será necessário cumprir quase 39 anos e meio, e não 16 anos.
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QUANTO TEMPO PAULO CUPERTINO DEVE PERMANECER PRESO?
Embora Paulo Cupertino tenha sido condenado a 98 anos e 9 meses de prisão pelo triplo homicídio qualificado do ator Rafael Miguel e seus pais, a legislação penal brasileira estabelece um limite máximo de 40 anos para o cumprimento efetivo da pena privativa de liberdade, conforme o artigo 75 do Código Penal.
No entanto, esse limite não significa que ele automaticamente cumprirá apenas 40 anos. Para a progressão de regime, especialmente em crimes hediondos, a Lei de Execução Penal (LEP) exige o cumprimento de uma fração da pena total. No caso de Cupertino, será necessário cumprir 40% da pena total para ter direito à progressão para o regime semiaberto. Isso equivale a aproximadamente 39 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado.
Portanto, apesar do limite legal de 40 anos, Cupertino deverá cumprir cerca de 39 anos e meio antes de poder progredir de regime, considerando a fração exigida para crimes hediondos.
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E SE HOUVER NOVOS CRIMES?
O limite de 40 anos não é um “salvo-conduto”. Caso o condenado venha a praticar novos crimes durante ou após o cumprimento da pena, poderá haver nova condenação, com nova unificação de penas conforme os artigos 75 e 76 do Código Penal e o artigo 111 da LEP.
O art. 75, §2º do Código Penal permite a reavaliação do limite de 40 anos se houver nova condenação por crime cometido durante o cumprimento da pena:
“Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, o juiz poderá, mediante decisão motivada, prorrogar os limites previstos neste artigo, até o máximo de 40 (quarenta) anos.”
Note que o limite continua sendo 40 anos, mas a contagem é reiniciada com a nova condenação, caso haja unificação da pena.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso Paulo Cupertino, além de extremamente trágico do ponto de vista humano, traz à tona questões jurídicas complexas e, por vezes, pouco compreendidas pelo público.
O fato de alguém ser condenado a quase 100 anos e cumprir apenas 40 não significa impunidade — mas sim a aplicação de um limite previsto em lei, pautado por princípios constitucionais.
Ao mesmo tempo, os 98 anos de condenação não são desprezados. Eles influenciam diretamente todos os cálculos da execução penal.
Essa estrutura busca equilibrar a resposta penal ao crime com o respeito às garantias fundamentais, ainda que, para muitos, o resultado final soe frustrante.